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Crônica de uma visita à Academia Brasileira de Letras

 

Luiz Alberto Pinheiro de Freitas

 

    Rio, 11 de março de 2014

 

    Sandra e Durval,

 

    Conforme prometido, segue a crônica sobre o convite para ir à Academia Brasileira de Letras.

 

    Fui muito bem recebido pelo prof. Secchin, no suntuoso edifício novo (cada acadêmico tem um belo gabinete e secretária), com o qual pude elucidar algumas dúvidas sobre a vida e a obra de Machado. Entreguei a ele o meu Freud e Machado de Assis, bem como o nosso Escritos sobre literatura e psicanálise e o prospecto do Psilítera. Ele sugeriu que eu aproveitasse e fosse à biblioteca para conhecer o local e poder desfrutá-lo, quando quisesse.

 

    Ao chegar à biblioteca Lauro de Mendonça, fui muito bem recebido pelo bibliotecário chefe Sr. Luiz, que me disse que convive ali há mais de trinta anos. Conversamos, ele mostrou-me a estante dos livros do Machado etc. Ao mesmo tempo, conferiu a existência do Freud e Machado e verificou que estava na biblioteca do “Espaço Machado de Assis da ABL”, que é dedicado a trabalhos acadêmicos. Solicitou que eu enviasse outro exemplar para também constar na biblioteca principal. Naturalmente, eu havia levado alguns exemplares e também o nosso Escritos, ao qual ele também ficou interessado, porque teria os meus textos e principalmente a entrevista do Rouanet (tudo o que os acadêmicos publicam eles querem a edição). Alegou ainda, que era uma publicação que a ABL teria interesse, por ter também outros textos sobre literatura. Ficaram os dois alfarrábios na biblioteca da ABL. Ou seja, todos os que estão nos Escritos terão seus textos aí catalogados.

 

    Enquanto eu falava com o Sr. Luiz, o prof. Rouanet estava conversando com umas senhoras nas poltronas da biblioteca. Apresentei-me, ele disse que me conhecia, e informou-me que na conferência (Caminhos e descaminhos da crítica psicanalítica sobre Machado de Assis) que ia fazer, em seguida, havia feito uma citação sobre mim. Surgiu também a responsável pelo “Espaço Machado de Assis” que perguntou se eu não me lembrava que ela me havia pedido o livro etc. Aproveitei a oportunidade e dei para Rouanet a última edição, a 4ª.

 

    A conferência foi para “as gentes”, apesar das palavras em alemão (que ele traduzia), foi interessante. Para o ego foi muito bom, fui o único vivo citado (com direito ao esclarecimento que eu havia examinado os personagens femininos: Virgília, Marcela, Sofia, Capitu, Carmo e Fidélia, bem como que eu estava presente no auditório). Os outros foram: Freud (inúmeras vezes) e um comentário sobre o Winnicott e o Lacan. Na verdade, era uma tentativa de explicar como se passou da culpa de Capitu para a culpa de Bentinho e, posteriormente, para a “dúvida”, que eu nominaria como a “dúvida douta”. A conferência foi do modelo “magister dixit”, sem abertura para a voz da “plebe”.

 

   A cultura do lugar é de corte, uma quantidade de funcionários femininos de fazer inveja ao poder legislativo, e que cultuam a sedução dos septuagenários e dos octogenários (todos de terno e gravata -, eu também!), e como pareciam satisfeitos. Todos, inclusive eu, chamados de professor etc., grandes deferências...

 

    Um fim de tarde para se conhecer a corte mais de perto e aproveitar o minuto de fama.

 

Luiz Alberto.

A carta ao pai de Franz Kafka

 

José Durval Cavalcanti de Albuquerque

 

                                                                           

 

 

 

 

 

 

 

 

 

    Já no início da nossa vida psíquica, apreendemos que o rigor da realidade nos pressiona a lutar por uma ordenamento mais suave da sua composição. O ensino freudiano diz que o brincar infantil, uma expressão dos primeiros sinais de atividade imaginativa, anseia o "de-leite". O amadurecimento traz uma gradativa diminuição deste exercício até sua coagulação. Para a criança, o brincar e a realidade são distintos apesar de manterem um elo entre eles. O encerrar dos jogos infantis leva embora esta maneira de encontrar satisfação. O prazer desaparecido será de algum jeito reencontrado no fantasiar adulto, berço dos chamados devaneios. Mas, diferentemente da brincadeira que é explícita, a fantasia que surge mais tarde tende a ser escondida. O fantasiar é uma tentativa de corrigir uma insatisfação, ou ainda, uma realização de desejo da qual se prefere não falar. Já o brincar, objetiva igualmente uma satisfação com a diferença de que é claro, exibido. Provavelmente, deve ser esta a razão pela qual, vai nos dizer Freud, que temos mais fácil acesso às motivações do brinquedo infantil do que àquelas da fantasia adulta. A passagem da fantasia para um devaneio, implica num trabalho psíquico originado em motivação presente, determinando um forte desejo atual. Este, é remetido à uma lembrança passada para um momento em que este voto foi realizado. Cria-se aí uma prospecção para um futuro aonde o desejo se realizará (Freud,1908 [1907]).

...os próprios escritores criativos gostam de diminuir a distância entre a sua classe e o homem comum, assegurando-nos com muita freqüência de que todos, no íntimo somos poetas, e de que só com o último homem morrerá o último poeta. Freud, Escritores criativos e devaneio.

Shakespeare com Freud e Lacan

 

Betty Bernardo Fuks
Maria Anita Carneiro Ribeiro

 

 

 

    Próximo ao final da aventura que o levou a inventar a psicanálise, Freud, referindo-se a alguns versos de Goethe (Freud, 1939) , reconhece que sua disciplina sempre esteve submetida à autoridade do escritor e do poeta. Selava, desta forma, o que havia apreendido no início de sua prática: psicanálise e criação artística dizem respeito à Outra cena. Das artes, privilegia a que considerou melhor franquear acesso ao inconsciente: a literatura. Escolha registrada na carta a Fliess, de 15/10/1897, cujo tema gira em torno dos fundamentos do complexo de Édipo e de suas primeiras elaborações da obra de Willian Shakespeare (Freud, 1950, p. 305). Sobre este, se é verdade que a originalidade cognitiva e representativa foi o seu maior poder, instrumento com o qual adiantou todo o progresso da literatura que estava por vir, como insiste Harold Bloom (1995, p. 52); também é certo que a força poética do bardo inglês, antecipou, de algum modo, o avanço que estava por vir com a ciência inaugurada em A Interpretação dos Sonhos (Freud, 1900). Durante a escrita desta obra, movido pela busca de sentido que o sofrimento impõe, Freud decide romper com determinados saberes que conferiam, então, ao mundo onírico e a loucura o estatuto de mero erro de sentido e se apropria do discurso Polônio sobre a loucura de Hamlet – "Há um método em sua loucura" (p. 83) – para destacar a dimensão de verdade destes fenômenos inquietantes.

Escuta, escuta, oh, escuta. Shakespeare, Hamlet.

Psicanálise e literatura

 

Luiz Alberto Pinheiro de Freitas

 

   

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Introdução

 

    Freud, em 1930, ganhou o prêmio Goethe[1], pelo conjunto da sua obra, uma obra científica, mas que foi acusada de ser escrita como um romance. A acusação soa como um elogio e, mais será, quanto a pudemos comparar com escritos psicanalíticos que, de tal forma herméticos, mal podem ser compreendidos fora dos grupos semióticos a que pertencem.

Dizem que um autor deveria evitar qualquer contato com a psiquiatria e deixar aos médicos a descrição de estados mentais patológicos. A verdade, porém, é que o escritor verdadeiramente criativo jamais obedece a essa injunção. A descrição da mente humana é, na realidade, seu campo mais legítimo; desde tempos imemoriais ele tem sido um precursor da ciência e, portanto, também da psicologia científica. Freud, Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen..

Psicanálise e Arte

 

Adelina Lima Freitas

 

   

   

 

 

 

 

 

 

 

    A psicanálise estuda a criatividade vinculada à sublimação, embora não esgote, com esta perspectiva, a possibilidade de compreensão do processo criativo. Todas as formações da cultura constituem modalidades de sublimação. O discurso freudiano forjou este conceito, com a mudança de objeto da pulsão passando a ser um atributo fundamental na reordenação do circuito pulsional. É a invenção de um novo objeto, que seja ao mesmo tempo compartilhado por outros sujeitos, que revela esta proposta e permite uma abordagem sobre a criação (Birmam, 1994) .

No exercício de uma arte vê-se mais uma vez uma atividade destinada a apaziguar desejos não gratificados – em primeiro lugar, do próprio artista e, subseqüentemente, de sua assistência ou espectadores. As forças motivadoras dos artistas são os mesmos conflitos que impulsionam outras pessoas à neurose e incentivam a sociedade a construir suas instituições. Freud, O interesse da psicanálise do ponto de vista da ciência da estética.

Poderia ser amor?

 

Sandra Edler

 

 

 

 

 

   

    Ana vivia um cotidiano tranqüilo. Apartamento próprio, filhos crescidos e todos os dias os mesmos afazeres. Cuidar da casa, dispensar atenção ao marido e aos filhos, fazer compras, manter o lar em sua calma vibração. Vivia, ela também, em calma vibração. Vez por outra, ecos da antiga juventude e sua pulsação. "Dela havia emergido para descobrir que também sem a felicidade se vivia: abolindo-a, encontrara uma legião de pessoas, antes invisíveis, que viviam como se trabalha | com persistência, continuidade e alegria" (Lispector, 1998, p. 20). E assim criou, para si mesma, uma vida. Diferente talvez dos sonhos de uma jovem, ou melhor, da exaltada perturbação de seus dias de jovem mulher. "Criara em troca algo enfim compreensível, uma vida de adulto" (p. 20).

...sou uma pessoa que pretendeu por em palavras um mundo inteligível

e um mundo impalpável.
Clarice Lispector, A paixão segundo GH.

O duplo na literatura e na psicanálise: William Wilson

 

Adelina Helena Lima Freitas

 

 

 

 

   

    O conto fantástico é uma modalidade de narrativa que associa imagens, tempo e espaço, numa forma particular de subversão da realidade ao dar um passo além desta. Caracteriza-se por uma hesitação, aspecto marcante da literatura fantástica que corresponde à relação complexa entre o racional e o irracional, ou mesmo, entre a realidade e o sobrenatural que afeta o leitor quanto à sua percepção, à linguagem e ao sentido dos fatos relatados. O texto, então, se nutre de um frágil equilíbrio que balança em favor do inverossímil e acentua-lhe a ambigüidade (Rodrigues, 1998).

Que dirá ela? Que dirá a horrenda consciência, aquele fantasma no meu caminho. 
Edgar A. Poe, William Wilson.

Don Juan e o engano da lista

 

Luiz Alberto Pinheiro de Freitas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

    Desde que Tirso de Molina, pseudônimo do Frei espanhol Gabriel Telez, editou, em Barcelona no ano de 1630, a peça teatral El Burlador de Sevilla, o herói Dom Juan corre mundo. É tal o sucesso, que inúmeros outros escritores aventuraram-se, com o decorrer dos anos e dos séculos, a promover alterações no texto original. A impressão causada pela peça só pode ser verdadeiramente explicada pelo fato das peripécias de Dom Juan produzir um prazer que "procede de uma liberação de tensões em nossas mentes" (Freud, 1908 [1907] p. 158). A atividade dom juanesca consegue, através da pena do frei mercedário, gerar sentimentos de simpatia e magnanimidade, ou seja: "A verdadeira ars poética está na técnica de superar esse nosso sentimento de repulsa" (Freud, p. 158) em relação às atuações perversas do herói. Essa superação só é possível na medida em que o escritor desvia-nos de qualquer reflexão crítica, e nos leva, de forma inconsciente, a um apaixonamento pelo herói, produzindo assim, intensos efeitos de identificação que remontam ao século XVII. Parafraseando Freud (1916) a respeito de Ricardo III, poderíamos dizer que Dom Juan é uma ampliação do que encontramos em nós mesmos.

 

    Como não posso desempenhar o papel de amante por causa da minha deformidade, serei o vilão, conspirarei, assassinarei, e farei tudo o que quiser. Essa motivação frívola só sufocaria qualquer sentimento de simpatia no auditório, se não fosse um pano de fundo para algo muito mais grave. Do contrário, a peça seria psicologicamente impossível, pois o escritor deve saber como nos fornecer antecedentes secretos que despertem simpatia pelo seu herói, a fim de que possamos admirar sua ousadia e desembaraço sem protesto interior; e essa simpatia só pode basear-se na compreensão ou no sentimento de uma possível solidariedade interior em relação a ele. (...) Ricardo é uma ampliação do que encontramos em nós mesmos. Referencia feita por Freud à obra de Shakespeare, Ricardo III. Alguns tipos de caráter encontrados no trabalho psicanalítico.

A escrita melancólica de Clarice

 

Sandra Edler

 

Texto elaborado durante a realização do Seminário Revisitando Luto e melancolia 100 anos depois (SPID/agosto a outubro/2014).

 

 

 

 

 

 

 

 

     Reler Luto e melancolia (Freud, 1915[1917]) às vésperas do centenário de sua escrita nos propõe uma curiosa viagem de trás para a frente na qual noções e conceitos desenvolvidos ao longo da construção da psicanálise se reencontram com concepções apenas esboçadas. Sabemos que o interesse de Freud pela melancolia remonta aos primórdios de seu percurso e, quando redigiu Luto e melancolia, não dispunha de conceitos fundamentais para abordá-la como a pulsão de morte e a redefinição do superego, além da postulação do masoquismo como originário. O Seminário Revisitando Luto e melancolia 100 anos depois, desenvolvido durante os meses de agosto a outubro/2014, contemplou esse trajeto arqueológico, visitando os conceitos definidos a partir da 2ª tópica e da 2ª teoria pulsional, com vistas a ampliar e enriquecer o texto de 1915,  permitindo uma abordagem aprofundada e atual da melancolia.

 

Vida, vida recoberta com um véu de melancolia. Morte: farol que me guia em rumo certo. Sinto-me magnífico e solitário entre a vida e a morte. (Lispector, 1999 p.156).

 

Estou escrevendo porque não sei o que fazer de mim. (Lispector, 1999, p.17)

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